19.3.13

Corremos dentro dos corpos


Como  o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo. 
Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto. 

José Luís Peixoto, in 'Antídoto'

13.3.13

12.3.13

Espasmos


como respirar
o tempo
nesse corpo
sem asas

no ardor da madrugada
um silêncio branco
morrerei contigo




 da leitura do 'O Amor em Visita' do Herberto Helder

6.3.13





Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

[Mário Quintana]

4.3.13

3.3.13

Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor




Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca 
Austera. Toma-me AGORA, ANTES 
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes 
Da morte, amor, da minha morte, toma-me 
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute 
Em cadência minha escura agonia. 

Tempo do corpo este tempo, da fome 
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento, 
Um sol de diamante alimentando o ventre, 
O leite da tua carne, a minha 
Fugidia. 
E sobre nós este tempo futuro urdindo 
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida 
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo. 

Te descobres vivo sob um jogo novo. 
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor, 
Antes do muro, antes da terra, devo 
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga 
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar 
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo 
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro. 
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu 
Madurez, ausência nos teus claros 
Guardados. 

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas 
Em lúcida altivez, eu já sou o passado. 
Esta fronte que é minha, prodigiosa 
De núpcias e caminho 
É tão diversa da tua fronte descuidada. 

Tateio. E a um só tempo vivo 
E vou morrendo. Entre terra e água 
Meu existir anfíbio. Passeia 
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta. 
(...)



[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]
 

1.3.13

Beija-flor




de repente
na casa
um hiato alado

veio beijou a (in)
fertilidade em flores artificiais
(de cerâmica/plástico)

veio des
montou dis
tâncias

veio ques
tionou
certezas

veio célere
- célere
foi-se

: a casa voltou a ser

rotina


[Wilson Torres Nanini]