25.12.12


Vou amanhecer em Piracanga
pegar com as mãos o corpo da manhã
regar o rio
acender-me com o fogo sagrado

Anoitecer e SER



O tempo




O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; o tempo está em tudo.


Rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas, não bebendo do vinho quem esvazia num só gole a taça cheia; mas fica a salvo do malogro e livre da decepção quem alcançar aquele equilíbrio, é no manejo mágico de uma balança que está guardada toda a matemática dos sábios, num dos pratos a massa tosca, modelável, no outro, a quantidade de tempo a exigir de cada um o requinte do cálculo, o olhar pronto, a intervenção ágil ao mais sutil desnível.

O tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem sossego, a paz aos intranquilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores(..)

(Trecho de Lavoura Arcaica – Raduan Nassar)

21.12.12





A felicidade de gostar de tudo não é o melhor dos gostos. Louvo as línguas delicadas e os estômagos escrupulosos que aprenderam a dizer: Eu, sim e não [...]
O que o meu gosto deseja é o amarelo intenso e o vermelho quente [...]


Sinestesia



~~ borboletas me voam ~~

Do desejo


expandir meu corpo no corpo do outro
cuidando para não transbordar o vento


 tradução dos rostos



sem a ânsia dos que reduzem os corpos ao estreito
 das máscaras


Estou dentro. Bebo o desejo


20.12.12

Desmedida


    NÃO para meio termos  


sou avessa as bordas 

 arranco pedaços inteiros


deliro na profundidade

múltipla
tua saliva cura


in OU É TUDO OU NADA



Deixe-a




O dia seguinte,  revela que o amor SEGUINTE pode sim, ser o esperado 
Não haverá a ressaca da AUSÊNCIA. Só o desejo seguinte
Não me deseje. Não resisto ao PRAZER
Mantenha-se longe e mais distante estarei
Não mergulhe na minha embriaguez
Sou da ENTREGA e esse é o meu vício

19.12.12

do dialeto Manoelês



Bernardo virou árvore várias vezes. Ele tinha dor de árvore. Solidão de árvore seca. Tristeza de árvore sem pássaro. Bernardo passou de árvore a pássaro, de pássaro a rio, de rio a sol, de sol a gente. Vagou muitos anos sem identidade. Aliás, andarilho não tem identidade, pode de repente adquirir gosto de flor. Andarilho é plural sempre.

Ensaio sobre a origem vermelha da rosa



Estava escrito que eu temeria tuas mãos
O florescimento da tua boca

A suntuosidade dos teus lábios
Tuas raízes atravessando-me o peito
O fogo e a ternura da tua carne
Estava escrito que eu morreria
Muitas mortes em teu cortejo de língua

[Assis Freitas]

Caetano Veloso Cucurrucucu Paloma Hable Con Ella

18.12.12


Aqui meu irmão ela é coisa rara de ver 

E jóia do Xá retina de um mar 

De olhar verde já derramante 

Abriu-se Sézamo em mim 

Ah! meu irmão aqualouca tara que tem ímã 

Mergulha no ar me arrasta me atrai 

Pro fundo do oceano que dá 

Prá lá de babá prá cá de ali 

Pedra que lasca seu brilho 

E que queima no lábio um quilate de mel 

E que deixa na boca melante 

Um gosto de língua no céu 

Luz talismã misterioso cubanacã 

Delícia sensual de maçã 

Saborosa manhã 

Vou te eleger vou me despejar de prazer 

Essa noite o que mais quero é ser 

Mil e um pra você


Incêncio alucinado


Tua fome obscena seja também revitalizada; um milagre, um milagre, eu ainda suplicava [...] subiremos escarpas de pés descalços e, de mãos dadas, iremos juntos incendiar o mundo!


17.12.12

Crepúsculo



Teus olhos, borboletas de ouro, ardentes 
Borboletas de sol, de asas magoadas, 
Pousam nos meus, suaves e cansadas 
Como em dois lírios roxos e dolentes… 


E os lírios fecham… Meu amor não sentes? 
Minha boca tem rosas desmaiadas, 
E as minhas pobres mãos são maceradas 
Como vagas saudades de doentes… 



O silêncio abre as mãos… entorna rosas… 
Andam no ar carícias vaporosas 
Como pálidas sedas, arrastando… 



E a tua boca rubra ao pé da minha 
É na suavidade da tardinha. 
Um coração ardente palpitando…


mas não se questiona na aresta de um instante o destino dos nossos passos,
 bastava que eu soubesse que o instante que passa, passa definitivamente [...]

Gotan Project - Vuelvo Al Sur





Dentro do grande túnel digo-te a vida
esta nuvem que vai para o centro da cidade leve e rosada 
como a proa de um barco
bateira que me trás os dados e a roleta onde no branco
ou no preto devo jogar
jogando-me contigo
bem-me-quer
malmequer
ou muito ou pouco
ou nada
o que só com as mãos pode ser soletrado
só nos teus olhos nos teus olhos escrito



16.12.12



Daqui desse momento

Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.
Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.
A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.

13.12.12



Escreve no meu  corpo o teu silêncio

Apenas

o teu silêncio 


"O nó na minha garganta vai diminuindo. Palavras juntam-se, grudam-se, atropelam-se umas por cima das outras. Não importa quais sejam. Empurram-se e trepam uma nos ombros das outras. As isoladas, as solitárias acasalam-se, cambaleiam, multiplicam-se. Não importa o que digo. Como um pássaro a esvoaçar, uma frase cruza o espaço vazio entre nós. Pousa nos lábios dele"

Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.



Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.


( Do Desejo )

12.12.12

Água de remanso



[Thiago de Melo ]


Cismo o sereno silêncio:
sou: estou humanamente

em paz comigo: ternura.
Paz que dói, de tanta.
Mas orvalho. Em seu bojo
estou e vou, como sou.
Ternura: maneira funda,
cristalina do meu ser.
Água de remanso, mansa
brisa, luz de amanhecer
Nunca é a mágoa mordendo.
Jamais a turva esquivança,
o apego ao cinzento, ao úmido,
a concha que aquece na alma
uma brasa de malogro.
É ter o gosto da vida,
amar o festivo, e o claro,
é achar doçura nos lances
mais triviais de cada dia.
Pode também ser tristeza:
tranqüilo na solidão macia.
Apaziguado comigo,
meu ser me sabe: e me finca
no fulcro vivo da vida.
Sou: estou e canto.

11.12.12

O amor, me reconheceria a quilômetros de distância sem me prender, ele saberia do meu desejo de voar.



Um desejo , não de ser ave,

Mas de poder
Ter não sei quê do voo suave
Dentro do meu ser 

Fernando Pessoa

9.12.12

Oblivion


NA NOITE VAZIA

Assombro poético


No delírio poético  escravizei-me
aninhada à poesia
 já havias me enganado completamente
Sua destreza 
amparou-me as lágrimas
coalhadas de sangue
negando  tormentos
enquanto os meus sentidos
 convulsionavam
epilépticos
gemi
no poroso e frio chão 
do assoalho


Dos sinais



"Entretanto sou incapaz de dizer o que é que eu quero, apesar de ansiar pelo que espero de alguma forma secreta. Pois muitas vezes, e com freqüência cada vez maior, à medida que o tempo passa, dou comigo de repente a interromper minha andança, como se eu fosse paralisada por um olhar estranho e novo sobre a superfície da terra que conheço tão bem. Um olhar que insinua alguma coisa; mas que se vai antes de eu perceber seu sentido. É como se um riso nunca visto furtivamente se estendesse num rosto bem conhecido; por um lado dá medo, no entanto por outro ele nos faz um sinal." 

7.12.12



Quem tem consciência para ter coragem

Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste


Entre os dentes segura a primavera


Se Te Queres Matar



    [...]
    De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas 
    A que chamamos o mundo? 
    A cinematografia das horas representadas 
    Por atores de convenções e poses determinadas, 
    O circo policromo do nosso dinamismo sem fim? 
    De que te serve o teu mundo interior que desconheces? 
    Talvez, matando-te, o conheças finalmente... 
    Talvez, acabando, comeces... [...]

    Ah,  pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
    Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?
    És importante para ti, porque é a ti que te sentes. 
    És tudo para ti, porque para ti és o universo,
    E o próprio universo e os outros
    Satélites da tua subjetividade objetiva.
    És importante para ti porque só tu és importante para ti.  
    E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?  [...]

    Dispersa-te, sistema físico-químico 

    De células noturnamente conscientes 
    Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos, 
    Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências, 
    Pela relva e a erva da proliferação dos seres, 
    Pela névoa atômica das coisas, 
    Pelas paredes turbilhonantes 
    Do vácuo dinâmico do mundo...