30.3.10


















"(...) Mas se amo os teus pés
é só porque andaram sobre a terra
e sobre o vento
e sobre a água,
até me encontrarem."

Pablo Neruda

20.3.10

Olhos Oblíquos

















Vens tu do céu profundo ou sais do precipício
Beleza? Teu olhar divino, mas daninho,
Confusamente verte o bem e o malefício,
E pode-se por isso comparar-te ao vinho.
Em teu olhar refletes toda a luz diuturna;
Lanças perfumes como a noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca uma urna
Que torna o herói covarde e a criança corajosa.
Provéns do negro abismo ou da esfera infinita?
Como um cão te acompanha a Fortuna encantada;
Semeia ao acaso a alegria e a desdita
E altiva segues sem jamais responder nada.
Calcando mortos vais, Beleza, a escarnecê-los;
Em teu escrínio o Horror é a jóia que cintila,
E o Crime, esse berloque que te aguça os zelos,
Sobre teu ventre em amorosa dança oscila.
A mariposa voa ao teu encontro, ó vela,
Freme, inflama-se e diz: “Ó clarão abençoado!”
O arfante namorado aos pés de sua bela
Recorda um moribundo ao túmulo abraçado.
Que venhas lá do céu ou do inferno, que importa,
Beleza! ó monstro ingênuo, gigantesco e horrendo!
Se teu olhar, teu riso, teus pés me abrem a porta
De um infinito que amo e que jamais desvendo?
De Satã ou de Deus, que importa? Anjo ou Sereia,
Que importa, se és quem fazes – fada de olhos suaves,
Ó rainha de luz, perfume e ritmo cheia! –
Mais humano o universo e as horas menos graves?
  Baudelaire 

19.3.10

Olhos de Ressaca


Um curta de Petra Costa tem fotografia de Eryk Rocha e montagem de Ava Rocha, filhos de Gláuber.SP/BR, 2009, Ficção, 20min., Cor, 35mm

17.3.10




















reaprendo os dias para a eternidade
porque onde termina o corpo deve começar
outra coisa outro corpo
ouço o rumor do vento
vai
alma vai
até onde quiseres
Al Berto

estamos encostados a uma roulotte bebemos sangria
conversamos enquanto queimamos a noite
junto ao mar
o vento fresco surpreende-nos com as mãos nervosas
em redor dos copos embaciados a ternura dum olhar
não chega para iludir a embriaguez dos amores imperfeitos
sei que possuis ainda alguma juventude nesse sorriso
eu já só embebedo os lábios viciados pelas palavras
pouco tenho a dizer-te
toco-te no ombro faço promessas e tu ris
enquanto descobrimos no silêncio cúmplice do vinho
treme uma teia de luminoso sal onde a noite cai
sobreviveremos ao desgaste do amor
bebemos mais
para que haja só desejos e não amor entre nós e
o rapaz que tem a mania de espetar uma faca loura
no ombro do mar
La vie est une gare, je vais bientôt partir,
je ne dirai pas où.
calei-me
sabendo que me conduzirias até casa pelo caminho da praia
cambaleantes
e enquanto eu não conseguir abrir de novo os olhos
não partirás tenho a certeza
com a tua jaula cheia de luas mansas
apaziguadas.

- Al Berto

15.3.10

Tempo Tempo Tempo














O tempo,
O tempo é versátil,
O tempo faz diabruras,
O tempo brincava comigo,
O tempo se espreguiçava provocadoramente,
era um tempo só de esperas

13.3.10

Abstrato



eu nunca beijei um poema.

no entanto ele está aqui
roçando leve minha
boca

nas horas dos
mais

doídos
silêncios

12.3.10


Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça, para o total. Todos os sucedidos acontecendo, o sentir forte da gente — o que produz os ventos. Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

9.3.10

Cabuçu


Foi nessas águas que eu ouvi dizer
que as noites são infinitas
e os dias atravessam a calmaria
margens que banham o meu corpo
mudando a cor dos teus olhos
carregando para o fundo do mar
o gozo dos nossos dias.

*A praia de Cabuçu pertence ao município de Saubara, banhada pelas águas tranquilas e mornas da Baía de Todos os Santos